Quimioterapia [1] e relaxamento

 

CAPITULO XVIII

Dr Bernard Auriol

 

 


 

Não nos deteremos aqui nos produtos "convulsores", que em uma certa época foram utilizados na obtenção de uma espécie de "eletrochoque" químico. Ocorriam então três fases: contração generalizada dos músculos, convulsões, coma. Após um certo número desses choques horrivelmente angustiantes, o paciente recuperava una humor não depressivo (caso tudo desse certo ... ).

A utilização de insulina também pertence ao passado, exceto em alguns centros atrasados, pertencentes, na maioria, ao setor privado (talvez o fator econômico explique uma tal fidelidade). Tratava se de provocar coma pela queda da quantidade de açúcar presente no sangue, através do uso da insulina. Em seguida “reaçucarava se” o paciente. Para explicar o sucesso desse tratamento em alguns casos, apelava se para fenômenos bio­lógicos e endócrinos pouco conhecidos, para dados psicoterapêuticos geral­mente confusos (regressão desestruturação, maternagem reestruturação), que poderiam ser obtidos de forma mais modesta e menos perigosa por meio de toalhas molhadas, banhos, etc.

Acontecia também de se optar por um meio termo: os choques "úmi­dos" em que se “reaçucarava” o paciente antes da aparição do coma, na fase de transpiração produzida pela hipoglicemia.

Antes da aparição dos medicamentos modernos, também foram ampla­mente utilizados os barbitúricos, não somente para eliminar as crises de epilepsia e fazer dormir (é com esse fim que são utilizados atualmente), mas também para tentar controlar a agitação, o delírio e a angústia. 0 hidrato de cloral era empregado com o mesmo objetivo. Posteriormente demonstrou se que esse produto podia, após algum tempo de uso, provocar alucinações. Além disso, todos esses medicamentos podem levar o paciente à toxicomania. Ele se vicia; não pode mais passar sem eles, necessitando de doses cada vez mais elevadas. Tampouco o "bom e velho amigo álcool", mesmo quando se trata de vinho, me parece melhor. Não há dúvida que ele tem efeitos antidepressivos, que reduz a ansiedade, que elimina a timidez ou certos medos, etc. Entretanto, seu uso habitual traz mais inconvenientes do que vantagens; como o cloral ele pode, após algum tempo, provocar alu­cinações, delírios, e até mesmo o delirium tremens, que conduz rapidamente à morte se não houver recuperação intensiva.

Não penso melhor do haxixe, cujo efeito de facilitar os relacionamentos acontece em nível muito superficial. Ocasionalmente pode provocar uma descontração útil, permitir o acesso a dados da imaginação até então muito controlados (o L.S.D. tem o mesmo efeito e o mesmo interesse). Esse tipo de experiência não pode ser feito às cegas; sabe se que sob a ação reveladora de tais produtos o indivíduo pode executar ações inadequadas ou suicidas. Um clima de tolerância e ternura permite que a experiência se desenvolva de forma menos negativa.

Os relaxantes neuromusculares propriamente ditos são pouco utilizados em psiquiatria (exceto na preparação para eletrochoque, quando se prati­cava  ou quando ainda se pratica  essa técnica). São os "curarisantes" e produtos similares, que agem na junção do nervo com o músculo. Existem também produtos que visam os centros cerebrais: metocarbamol, stira­mato, clorzoxasona, carisoprodol. Tais produtos também combatem a febre e certas dores. Geralmente é com este objetivo que são empregados. São utilizados também para relaxar certos espasmos musculares agudos e as contrações do tétano e das dores talâmicas, incontroláveis por outros meios.

Os neurolépticos, freqüentemente utilizados em psiquiatria para acal­mar, reduzir as alucinações e os delírios, etc., provocam contrações muscu­lares e tremores semelhantes aos da paralisia agitante (Parkinson). Utilizam­se então "corretores" (artano, disipal, ponalida, diparcol, etc.), para diminuir a rigidez e o tremor. 0 tremor do fumante também melhora (mas parece­me preferível propor lhe que pare de fumar).

Os propanodióis (meprobamato, tibamato, etc.) provocam grande rela­xamento muscular, reduzem a agressividade, reforçam a ação dos soníferos, diminuem a emotividade, permitem suportar melhor as frustrações. Perten­cem ao grande grupo dos tranqüilizantes, e são objeto de gigantescos abusos na atividade médica daqueles clínicos que se arvoram em "distribuidores de serenidade por atacado", como também nos processos de auto medicação e na toxicomania múltipla. Deveriam ser utilizados apenas em situações excepcionais, para pacientes neuróticos em começo de tratamento psicoterapêuticos ou em certas articulações desse tratamento.

As benzodiazepinas (valium, librium, nobrium, mogadon, temesta, se­resta, etc.) são anticonvulsivos, acalmam "o rato combativo e o macaco vicioso"[2], reduzem os fenômenos de medo e angústia. Por isso são muito utilizadas no tratamento químico dos sintomas neuróticos. 0 uso de tais produtos implica risco de toxicomania com ocorrência de dependência, aumento de doses, etc.

 

AS DROGAS ANALGÉSICAS TÊM EFEITO RELAXANTE?

 

A aspirina não parece provocar esse efeito, a não ser indiretamente, ao aliviar a dor e permitir assim que o indivíduo relaxe.

A cocaína (e seus derivados) provoca anestesia local; tem porém um efeito global de excitação do cérebro. Ela alivia a sensação de fome e de cansaço, aumenta a quantidade de movimentos e de ações, acelera e amplifica a respiração (quando utilizada em doses moderadas).

A morfina e seus derivados, como as substâncias naturais que ela simula (encefalinas, endorfinas), provocam no doente com dores a desa­parição do sofrimento e da tensão psíquica, que podem ceder lugar à euforia ou pelo menos à indiferença com relação ao traumatismo. Consu­mida em excesso, pode resultar em obnubilação. A nível de terapia de rela­xamento, o uso de morfina e seus derivados só se justifica em casos de dor insuportável.

Sabe se que é muito grande o número de indivíduos que abusam desse efeito euforizante e analgésico, seja depois de tratamento médico seja por se verem tentados a experimentar, muitas vezes simplesmente porque é uma droga "proibida". 0 uso habitual não conduz ao verdadeiro relaxamento, mas sim à tensão na falta e à escalada de doses com todos os problemas para a obtenção do produto. As técnicas de relaxamento, a acupuntura, os beta bloqueadores, o dogmatil e o apoio de um grupo caloroso podem per­mitir, a quem o deseja, "desligar se". As técnicas sonoras (do tipo "sons filtrados") também dão bons resultados. Os tratamentos impostos pela Justiça parecem resultar em numerosas recaídas[3]. Aliás, a necessidade de drogas parece estar diretamente ligada às formas desumanas de nossa cul­tura. Refiro me à necessidade de drogas tal como a conhecemos no mundo atual. De fato, o relaxamento através do álcool, tabaco, haxixe, ópio, etc. existiu em numerosas civilizações, eventualmente com caráter sagrado; mas era um uso esporádico e limitado, com objetivo festivo, comunal ou de iniciação. Estamos bem longe disso hoje em dia!

Os antidepressivos (I.M.A.O., tricíclicos, etc.) permitem a algumas pessoas aguda ou cronicamente frustradas suportarem sua privação (de amor, de trabalho, de estima, de interesse, etc.) durante mais tempo. Mas se elas não conseguirem modificar sua situação, questionar seu próprio mecanismo de funcionamento, certamente terão recaídas e novas recaídas. As terapias que abordamos no decorrer deste livro permitem a tais pessoas irem mais longe, encararem algumas modificações, empreenderem uma evolução pessoal[4].

 

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Psychosonique Yogathérapie Psychanalyse & Psychothérapie Dynamique des groupes Eléments Personnels

© Copyright Bernard AURIOL (email : )

27 Décembre 2002

 



[1] Este capitulo foi redigido utilizando de maneira muito livre a excelente obra de H. LABORIT, Les Comportements: biologie, physiologie, pharmacologie, Mas­son, 1973, p. 403.

[2] H. LABORIT, op. cit., p. 258.

[3] Os "Centros de pós tratamento" e os "Centros de Desintoxicação" estão quotidianamente enfrentando esse problema. Em alguns dentre eles joga se o jogo da repres­são (o que é discutível: querer proporcionar o bem de alguém contra sua von­tade). Outros balançam entre a repressão e a psicoterapia, mas também aí a situa­ção é falsa, pois a demanda de tratamento não emana do indivíduo, mas do juiz.

[4] 0 leitor sem dúvida se espantará de nada encontrar nesta obra a propósito das psicoterapias analíticas, da Bio energia, da Gestalt terapia, etc. Penso que se trata de técnicas que podem conduzir a um relaxamento, mas o envolvimento que elas exigem para dar frutos é de natureza diferente do que se espera quando se procura o relaxamento. Na minha prática, tenho o costume de propor o leque das técnicas precedentes, em um primeiro tempo. Em seguida, se as mo­dificações favoráveis que elas ocasionaram não parecem suficientes, é sempre possível trilhar o caminho mais longo, mais tortuoso, mais difícil, de uma psico­terapia de longa duração (psicanálise, por exemplo). Entretanto descrevi o Sonho Acordado Dirigido (que é uma psicoterapia profunda de longa duração), mas na medida em que suas conexões com o relaxamento são imediatas. No caso de a pessoa desejar uma análise, considero oportuno explicar-Ihe o quanto o uso simultâneo de uma das técnicas de relaxamento pode favorecer, acelerar, "engraxar" o processo empreendido simultaneamente.