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Não nos deteremos aqui nos produtos "convulsores", que em uma
certa época foram utilizados na obtenção de uma espécie de "eletrochoque"
químico. Ocorriam então três fases: contração generalizada dos músculos, convulsões,
coma. Após um certo número desses choques horrivelmente angustiantes, o paciente
recuperava una humor não depressivo (caso tudo desse certo ... ).
A utilização de insulina também pertence ao passado, exceto em alguns
centros atrasados, pertencentes, na maioria, ao setor privado (talvez o fator
econômico explique uma tal fidelidade). Tratava se de provocar coma pela
queda da quantidade de açúcar presente no sangue, através do uso da insulina.
Em seguida “reaçucarava se” o paciente. Para explicar o sucesso desse
tratamento em alguns casos, apelava se para fenômenos biológicos e
endócrinos pouco conhecidos, para dados psicoterapêuticos geralmente confusos
(regressão desestruturação, maternagem reestruturação), que
poderiam ser obtidos de forma mais modesta e menos perigosa por meio de toalhas
molhadas, banhos, etc.
Acontecia também de se optar por um meio termo: os choques
"úmidos" em que se “reaçucarava” o paciente antes da aparição do
coma, na fase de transpiração produzida pela hipoglicemia.
Antes da aparição dos medicamentos modernos, também foram amplamente
utilizados os barbitúricos, não somente para eliminar as crises de epilepsia e
fazer dormir (é com esse fim que são utilizados atualmente), mas também para
tentar controlar a agitação, o delírio e a angústia. 0 hidrato de cloral era
empregado com o mesmo objetivo. Posteriormente demonstrou se que esse
produto podia, após algum tempo de uso, provocar alucinações. Além disso, todos
esses medicamentos podem levar o paciente
à toxicomania. Ele se vicia; não pode mais passar sem eles, necessitando de
doses cada vez mais elevadas. Tampouco o "bom e velho amigo álcool",
mesmo quando se trata de vinho, me parece melhor. Não há dúvida que ele tem
efeitos antidepressivos, que reduz a ansiedade, que elimina a timidez ou certos
medos, etc. Entretanto, seu uso habitual traz mais inconvenientes do que
vantagens; como o cloral ele pode, após algum tempo, provocar alucinações,
delírios, e até mesmo o delirium tremens,
que conduz rapidamente à morte se não houver recuperação intensiva.
Não penso melhor do haxixe, cujo efeito de facilitar os relacionamentos
acontece em nível muito superficial. Ocasionalmente pode provocar uma
descontração útil, permitir o acesso a dados da imaginação até então muito controlados (o L.S.D. tem o mesmo
efeito e o mesmo interesse). Esse tipo de experiência não pode ser feito às
cegas; sabe se que sob a ação reveladora de tais produtos o indivíduo
pode executar ações inadequadas ou suicidas. Um clima de tolerância e ternura
permite que a experiência se desenvolva de forma menos negativa.
Os relaxantes neuromusculares propriamente ditos são pouco utilizados em psiquiatria (exceto na preparação para eletrochoque, quando se praticava ou quando ainda se pratica essa técnica). São os "curarisantes" e produtos similares, que agem na junção do nervo com o músculo. Existem também produtos que visam os centros cerebrais: metocarbamol, stiramato, clorzoxasona, carisoprodol. Tais produtos também combatem a febre e certas dores. Geralmente é com este objetivo que são empregados. São utilizados também para relaxar certos espasmos musculares agudos e as contrações do tétano e das dores talâmicas, incontroláveis por outros meios.
Os neurolépticos, freqüentemente utilizados em psiquiatria para acalmar,
reduzir as alucinações e os delírios, etc., provocam contrações musculares e
tremores semelhantes aos da paralisia agitante (Parkinson). Utilizamse então
"corretores" (artano, disipal, ponalida, diparcol, etc.), para
diminuir a rigidez e o tremor. 0 tremor do fumante também melhora (mas pareceme
preferível propor lhe que pare de fumar).
Os propanodióis (meprobamato, tibamato, etc.) provocam grande relaxamento
muscular, reduzem a agressividade, reforçam a ação dos soníferos, diminuem a emotividade, permitem suportar
melhor as frustrações. Pertencem ao grande grupo dos tranqüilizantes, e são
objeto de gigantescos abusos na atividade médica daqueles clínicos que se
arvoram em "distribuidores de serenidade por atacado", como também
nos processos de auto medicação e na toxicomania múltipla. Deveriam ser
utilizados apenas em situações excepcionais, para pacientes neuróticos em
começo de tratamento psicoterapêuticos ou em certas articulações desse
tratamento.
As benzodiazepinas (valium, librium, nobrium, mogadon,
temesta, seresta, etc.) são anticonvulsivos, acalmam "o rato combativo e
o macaco vicioso"[2],
reduzem os fenômenos de medo e angústia. Por isso são muito utilizadas no
tratamento químico dos sintomas neuróticos. 0 uso de tais produtos implica risco
de toxicomania com ocorrência de dependência, aumento de doses, etc.
AS DROGAS ANALGÉSICAS TÊM EFEITO RELAXANTE?
A aspirina não parece provocar esse efeito, a não ser indiretamente, ao
aliviar a dor e permitir assim que o indivíduo relaxe.
A cocaína (e seus derivados) provoca anestesia local; tem porém um
efeito global de excitação do cérebro. Ela alivia a sensação de fome e de
cansaço, aumenta a quantidade de movimentos e de ações, acelera e amplifica a
respiração (quando utilizada em doses moderadas).
A morfina e seus derivados, como as substâncias naturais que ela simula
(encefalinas, endorfinas), provocam no doente com dores a desaparição do
sofrimento e da tensão psíquica, que podem ceder lugar à euforia ou pelo menos
à indiferença com relação ao traumatismo. Consumida em excesso, pode resultar
em obnubilação. A nível de terapia de relaxamento, o uso de morfina e seus
derivados só se justifica em casos de dor insuportável.
Sabe se que é muito grande o número de indivíduos que abusam desse
efeito euforizante e analgésico, seja depois de tratamento médico seja por se
verem tentados a experimentar, muitas vezes simplesmente porque é uma droga
"proibida". 0 uso habitual não conduz ao verdadeiro relaxamento, mas
sim à tensão na falta e à escalada de doses com todos os problemas para a
obtenção do produto. As técnicas de relaxamento, a acupuntura, os beta bloqueadores,
o dogmatil e o apoio de um grupo caloroso podem permitir, a quem o deseja,
"desligar se". As técnicas sonoras (do tipo "sons filtrados")
também dão bons resultados. Os tratamentos impostos pela Justiça parecem
resultar em numerosas recaídas[3].
Aliás, a necessidade de drogas parece estar diretamente ligada às formas
desumanas de nossa cultura. Refiro me à necessidade de drogas tal como a
conhecemos no mundo atual. De fato, o relaxamento através do álcool, tabaco,
haxixe, ópio, etc. existiu em numerosas civilizações, eventualmente com caráter
sagrado; mas era um uso esporádico e limitado, com objetivo festivo, comunal ou
de iniciação. Estamos bem longe disso hoje em dia!
Os antidepressivos (I.M.A.O., tricíclicos, etc.) permitem a algumas
pessoas aguda ou cronicamente frustradas suportarem sua privação (de amor, de
trabalho, de estima, de interesse, etc.) durante mais tempo. Mas se elas não conseguirem
modificar sua situação, questionar seu próprio mecanismo de funcionamento,
certamente terão recaídas e novas recaídas. As terapias que abordamos no
decorrer deste livro permitem a tais pessoas irem mais longe, encararem algumas
modificações, empreenderem uma evolução pessoal[4].
[1] Este capitulo foi redigido utilizando de maneira muito livre a excelente
obra de H. LABORIT, Les Comportements: biologie, physiologie, pharmacologie,
Masson, 1973, p. 403.
[2]
H. LABORIT, op. cit., p. 258.
[3] Os "Centros de pós tratamento" e os "Centros de
Desintoxicação" estão quotidianamente enfrentando esse problema. Em alguns
dentre eles joga se o jogo da repressão (o que é discutível: querer
proporcionar o bem de alguém contra sua vontade). Outros balançam entre a
repressão e a psicoterapia, mas também aí a situação é falsa, pois a demanda
de tratamento não emana do indivíduo, mas do juiz.
[4] 0 leitor sem dúvida se espantará de
nada encontrar nesta obra a propósito das psicoterapias analíticas, da Bio energia,
da Gestalt terapia, etc. Penso que se trata de técnicas que podem
conduzir a um relaxamento, mas o envolvimento que elas exigem para dar frutos é
de natureza diferente do que se espera quando se procura o relaxamento. Na
minha prática, tenho o costume de propor o leque das técnicas precedentes, em
um primeiro tempo. Em seguida, se as modificações favoráveis que elas
ocasionaram não parecem suficientes, é sempre possível trilhar o caminho mais
longo, mais tortuoso, mais difícil, de uma psicoterapia de longa duração
(psicanálise, por exemplo). Entretanto descrevi o Sonho Acordado Dirigido (que
é uma psicoterapia profunda de longa duração), mas na medida em que suas
conexões com o relaxamento são imediatas. No caso de a pessoa desejar uma
análise, considero oportuno explicar-Ihe o quanto o uso simultâneo de uma das
técnicas de relaxamento pode favorecer, acelerar, "engraxar" o
processo empreendido simultaneamente.