0 STRESS

(CAPITULO 1)

Dr Bernard Auriol

 

É com stress que a vida começa.
É o stress que a torna intensa.
É com ele que a vida acaba.


 

H. Selye ', que inventou esse conceito, distingue dois tipos de stress: o stress positivo, favorável, que ele denomina "eu stress", e o stress negativo, desagradável, que ele chama de "angústia". Toda sensação que coloca nosso organismo em estado de alerta, que o torna mais vigilante, que tensiona nossos músculos, que acelera nossa respiração, nossa circulação, constitui um stress. Dessa maneira estamos prontos para desfrutar, combater, fugir.

Esta reação pode ser adaptada ou não, útil ou inútil, ou até mesmo nociva. De repente um carro me recusa passagem: meu coração se acelera (reação inútil), meu pé se contrai, fazendo me perder uma fração de segundo para locomovê-lo do acelerador ao freio (reação não adaptada), ou até mesmo ele aperta ainda mais o acelerador (reação nociva). Se jogo futebol corno goleiro e preparo minha descontração no bom sentido (reação adaptada), meu organismo estará em melhores condições. Se eu for pego desprevenido, causarei um pequeno prejuízo. Ora, em nossa civilização técnica, onde se trata mais de apertar botões que de um eficaz relaxamento das pernas, o stress torna se cada vez mais freqüente e mais inadaptado.

Se a sobrevivência dos primeiros homens era mais garantida para aqueles que reagiam rápido, de forma intensa e freqüente, a competição ' atual (que aliás é urna grande fonte de stress) faz com que haja maior sobrevivência daqueles que só sabem reagir raramente e de maneira pouco intensiva. Ora, constatou se que muitos deles estavam tão treinados para "estarem prontos para tudo, que acabavam por se mostrar incapazes de enfrentar qualquer coisa e por adoecer. Portanto, já não se deve aprender a tensionar-se, a fazer esforço; agora, é necessário aprender a descontrair-se, a "não mais fazer esforço". Esta é a razão do sucesso e da eficácia dos métodos de descontração que existem atualmente, e cuja variedade iremos percorrer, interrogando nos sobre seu respectivo interesse e apresentando elementos que auxiliem a escolher um método de preferência a outro.

Todavia, antes de fazermos esse trajeto, tentaremos ver se  e em qual medida  se justifica a procura desse relaxamento. De que maneira o stress e a tensão são responsáveis pelos nossos males físicos e psicológicos? Utilizando as técnicas de relaxamento, poderemos determinar as causas da tensão e eliminá las? Tentaremos esclarecer bem esses pontos, estudando sucessivamente:

  1. 0 stress e o organismo "somático";
  2. 0 stress, a angústia e os distúrbios psicológicos;
  3. Causas do stress atual.

 

1. 0 STRESS E 0 ORGANISMO "SOMÁTICO"

0 stress é uma reação geral a uma estimulação particular. Em uma abordagem inicial, as coisas se passam como se nossas reações a um barulho inesperado, a um clarão luminoso, à aparição de toxinas microbianas no sangue fossem idênticas. Se nos aprofundarmos um pouco mais, observaremos que na verdade existem alguns grandes tipos de reação às agressões e que tais tipos de reação dependem tanto da natureza de quem os recebe como do que ele recebe '. Podem se distinguir as reações musculares e as reações do sistema nervoso vegetativo.

1. As reações musculares podem ser de tensão, de preparação para a ação (ataque ou fuga) ou, em um grau suplementar, de inibição da ação (pernas "que amolecem", hipotonia). Pode ocorrer que certos grupos musculares, e até mesmo o corpo todo, estejam em estado de alerta permanente (fora do sono). Dizemos que tais pessoas são “tensas” maxilares apertados, cabeça cravada nos ombros costas recaídas, antebraços ligeiramente curvados, punhos quase cerrados, etc. As vezes essa tensão muscular é menos aparente, e é ao nível da pele que se revela tal vigilância: se tentarmos erguer a pele por um leve pinçamento, desencadearemos uma dor freqüentemente muito forte.

2. As reações do sistema nervoso vegetativo podem dizer respeito a dois grandes sistemas: o simpático e o parassimpático.

 0 simpático está encarregado de facilitar a atividade de defesa e ataque; o parassimpático reage por ocasião de um prazer.

0 simpático, estimulado excessivamente e sem que haja continuidade (combate ou fuga muscular), provoca o aparecimento de hipertensão arterial, enxaqueca, hipertireoidismo, distúrbios cardíacos, arteriosclerose, síncopes, diabetes, depressão ', etc.

 0 sistema parassimpático, se o stress não for seguido de uma ação de "descarga", provoca o aparecimento de úlcera gástrica, diarréia, colite, asma, ed.

Pode se reconhecer aí todo o cortejo de doenças que a medicina contemporânea chama de "psicossomáticas" (como se todos os distúrbios e doenças não proviessem do organismo todo, como se houvesse doenças psíquicas sem distúrbios somáticos ou doenças orgânicas sem distúrbios psicológicos).

As reações do sistema nervoso não são as únicas causas de stress. Convém mencionar também as descargas hormonais (adrenalina, corticóides, AMP cíclico, etc.), o aumento de ácido lático e a atrofia timolinfática.

Todos esses mecanismos se desencadeiam em qualquer ocasião de nocividade. Isto foi amplamente provado por H. Selye, que conseguiu provocar tantas úlceras de stress (no estômago e duodeno) quantas ao expor os animais ao frio, ao calor, às infecções, aos tóxicos, à privação de liberdade...

2. STRESS, ANGúSTIA E DISTCRBIOS PSICOLóGICOS

Na época em que se dava menos importância ao corpo, o distúrbio era estudado sobretudo a nível da interioridade, e a psicologia falava em emotividade onde nós provavelmente falaríamos em "stressibilidade". Tratava se de como uma situação externa podia facilmente levar o indivíduo a sentir se "mudado  interiormente. Porém, quando a emoção torna se um hábito do qual as circunstâncias externas são apenas um modulador, fala se de preferência em um estado: a angústia, a ansiedade. A filosofia existencialista colocou em moda a angústia como elemento filosófico, de uma tal forma que poderíamos chegar a pensar que somos inteligentes simplesmente porque estamos no extremo oposto da serenidade.

A nível médico psicológico, e qualquer que seja sua causa, a angústia está sempre implicada de forma determinante nas "doenças" da mente e do sentimento: neuroses, psicoses, distúrbios variados da personalidade. Existem duas formas de angústia: a primeira é produzida pela incapacidade de manifestar a agressividade ou o medo; a segunda relaciona se com a impossibilidade de se entregar ao prazer, encarado como perigoso ou culpável.

A energia de stress pode ser consumida de muitas maneiras:

 sob forma de ação adaptada,

 sob forma de angústia,

 sob forma de doença física

A psicanálise conseguiu demonstrar que a angústia e o stress de hoje se estruturam sobre a angústia e o stress de ontem e que, pela lógica, a "stressibilidade" e a forma de angústia adotadas hoje pelo organismo dependem muito da quantidade e do tipo de seus do inicio da vida. A primeira estruturação da angústia e do stress ocorreria durante a vida intra uterina e no momento do nascimento, quando acontecem modificações fisiológicas muito importantes (aquisição de movimentos respiratórios amplos e sobretudo alteração do sistema circulatório) '. Atualmente a angústia do desmame é menos característica, devido ao uso da mamadeira; ela se assemelha e se incorpora à angústia do nascimento. Seguem se angústias de abandono, e, depois, de mutilação. Esses elementos vêm justificar,9 interesse, nada folclórico", das técnicas e cuidados que possibilitam à mãe conceber voluntariamente, esperar sem angústia, dar a luz, sem dor, a uma criança que será poupada da violência ', que será alimentada no seio, acariciada com freqüência, sempre assistida por alguém (mãe, pai ou outra pessoa afetuosa).

3. CAUSAS DO STRESS

Além dos primeiros momentos e dos primeiros anos de vida, que estruturam de forma menos ou mais harmoniosa a capacidade de reação do indivíduo (de forma a torná lo menos ou mais sujeito a stress e angústia), as situações que se acumulam depois têm um papel importante, e podem encaminhá lo para uma correção ou para um agravamento das primeiras experiências. Pode se até mesmo dizer que qualquer indivíduo está sujeito a apresentar qualquer patologia, sob qualquer das formas conhecidas, desde que as circunstâncias sejam suficientemente stressantes em um ou outro sentido determinado 1.

Tudo o que tende a diminuir a unidade do organismo é para ele uma ameaça de morte e vetor de um stress negativo. Tudo o que tende a proporcionar a unidade do organismo é um eu stress (positivo) que produz uma resposta relaxante, ou seja, a abolição do excesso de defesas.

As causas do stress estão divididas da seguinte maneira:

1. por excesso,

2. por falta, em diferentes níveis:

 físico, como por exemplo: excesso ou falta de calor, excesso ou falta de ruído, de luz, etc.;

 químico: excesso ou falta de calorias na ração alimentar, excesso ou falta de algum elemento químico determinado;

 biológico: excesso ou falta de estimulações sensoriais;

 psicológico: excesso ou falta de contatos afetivos;

 sociológico e econômico: excesso ou falta de recursos, de atividade produtiva, de valorização pessoal, etc.;

 gnosológico': excesso ou falta de espiritualidade ...(?).

Esta simples enumeração constitui uma espécie de libelo que acusa, por menos que se reflita a respeito, o estilo de vida ocidental e de todo o planeta na medida em que o "American way of life" constitui um modelo para o qual tendem até mesmo as nações subdesenvolvidas, ou pelo menos suas classes dominantes. A dimensão sociológica das causas do stress não M menor. A sociedade industrial avançada obriga os indivíduos a enfrentar si[W.4õi* novas e a dominá las num lapso de tempo cada vez mais curto, constrangendo-os assim a escolher entre opções cada vez mais numerosas [1] . Assim, muitas das doenças somáticas e psicológicas não se devem especificamente oi ao agente causador imediato, mas à nossa reação; isto sem excluir o fato de que, como já dissemos, o acúmulo de danos ou mesmo o excesso de excitações inúteis são responsáveis por uma menor estabilidade do nosso organismo; quanto mais stress recebe, mais se torna sensível a ele numa espiral viciosa e vertiginosa. Desde há muito tempo vêm sendo aperfeiçoadas técnicas que tendem a agir de acordo com uma espiral inversa, para reforçar a homeostase do organismo em todos os níveis e torná lo cada vez mais resistente ao stress. Isto não pode ser feito pela abolição pura e simples das excitações: implicaria em novo stress. Na verdade, a privação sensorial é uma das formas modernas de tortura.

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NOTAS

1. H. SEYLE, “A syndrome produced by novous agens", in Nature, t. 32, 1936; Le stress et Ia vie, P.U.F., 1962  P. BUGARD e col. Stress, fatigue, dépression et Ies agressions de Ia vie quotidienne, t. 1 e 2, Doin, 1974

R. FOURASTÉ, Le stress et les maladies de civilisation, Privat (no prelo).

2. A competição está na base da vida social ocidental e da vida internacional. Os indivíduos são impregnados do espírito de competição de maneira direta (a corrida para a promoção hierárquica, a obtenção de um "poder" menos ou mais vasto, na família ou na cidade) ou de forma indireta ("necessidades" constantemente aumentando e se padronizando por intermédio dos meios,de comunicação: publicidade, imprensa, televisão, cartazes etc.); cf. a esse respeito: 13. AURIOL, Prolégomènes à une Yogathérapie de Groupe, Tese méd., 1970; Yoga et Psychothérapie, Privat, 1977, e também E. FROMM, L'Homme pour lui même, E.S.F., 1967.

3. M. de BONIS, "Stress, facteurs cognitifs et indices physiologiques" in PsychoIogie méd., 1977, 9, 8, pp. 1433 1442.

4. A. KRANTZ, "Essai d'une explication et d'une thérapie pathogéniques des états dépressifs" in Progrès méd., 8, abr. 44, pp. 147 150.

Sabemos que o mediador químico do sistema simpático é constituído pela noradrenalina e pela adrenalina. A utilização de medicamentos antagônicos (betabloqueadores) tem efeitos imediatos sobre determinadas melancolias e certos estados dissociativos ou delirantes (cf. 13. AURIOL, Le problème des récepteurs béta adrénergiques en psychiatrie  étude critique de Ia littérature et observations cliniques, Dissertação para o C.E.S. de psiquiatria, 1973).

5. Achei necessário distinguir duas formas de ansiedade: uma "positiva", que leva à ação, e outra "negativa", que se bloqueia sobre si mesma como em uma panela de pressão. A passagem da segunda para a primeira parece ser favorecida por certos produtos (os beta bloqueadores); cf. B. AURIOL, Le problème des récepteurs béta adrénergiques, op. cit.

6. Cf. OTTO RANK, Le traumatisme de Ia naissance, P.B.P. 121, Payot, 1976, e também A. TOMATIS, La libération d’Oedipe, E.S.F., 1972. E Cf. a obra de F. LEBOYER, de próprio influenciado por A. Tomatis a respeito da técnica de nascimento sem violência.

8. É dizer que 'qualquer indivíduo colocado em circunstâncias adequadas pode se revelar, sucessivamente, neurotizado (com sintomas de obsessões ou de fobias), psicótico (com alucinações, com delírio estruturado ou não), psicopata (com comportamentos socialmente inadmissíveis) ou psicossomático (com distúrbios graves ou leves: dificuldade respiratória, asma, indisposição alimentar, úlcera de estômago, etc.).

9. Termo introduzido por Thérèse Brosse, com base em suas pesquisas sobre a ioga, para designar o setor da ciência que deveria existir e que deveria se interessar pelos estados eminentes de consciência (estados em via de Samadhi), descritos pela ioga e outras técnicas "espirituais". Cf. BROSSE, "Contribution to the experimental study of Altruism. Instrumental explorations of Yoga Techniques". In Forms and techniques of altruistic and spiritual growth, A symposium, ed. por P. A. Sorokin, Boston Mass. U.S.A., The Bacon Press, 1954. Desde então numerosos trabalhos abrangem esse campo de pesquisa. Ver também T. BROSSE, "Etudes instrumentales des techniques du Yoga, expérimentation psycho somatique", Ec. Fse d'Extrême Orient, éd. Maisonneuve, Paris, 1963.

10. A. TOFFLER, in "Stress, maladies de Ia civilisation et vieillissement", Symposium Médical International, p. 8, por Labo. Robert et Carrière, 1975.

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12 Décembre 2001