|
1. EUTONIA[1]
a. Dados essenciais do método
Gerda Alexander, de preferência a procurar uma redução
do tônus muscular durante um breve momento, pretende nos ensinar a descobrir,
em cada um de nossos movimentos e atos, o "exato grau de tensão"
necessário. Portanto, já não se trata de isolar de qualquer contexto o corpo,
de produzir uma "privação sensorial", e Sim[2]
de alimentar o indivíduo com suas próprias sensações, como se os movimentos
eqüivalessem às sensações de onde eles provêm ou que provocam. Uma descoberta
recente da sofisticada técnica de "ideografia cerebral"[3]
parece dar uma base fisiológica para tal hipótese: ficou demonstrado que
durante o movimento de um membro a zona cerebral mais ativa metabolicamente não
é a zona de comando desse movimento, e sim a zona receptora das sensações a ele
correspondentes.
Para ensinar ou corrigir uma atitude ou um movimento,
G. Alexander não se serve de uma atitude ou de um movimento: “ela deixa o
indivíduo com sua postura habitual e tenta fazê lo tomar consciência
dela, para que ele mesmo perceba pouco a pouco o que está acontecendo em seu
corpo[4]”,
principalmente todo o passado que aí está impresso de diferentes maneiras: em tal posição, em tal contração, em
tal relaxamento. 0 indivíduo percebe então que utiliza seu corpo (que utiliza a
si mesmo) de uma maneira às vezes desconfortável, nociva a seu bem estar,
pouco agradável, ou então de maneira fatigante, difícil. A constatação feita a
propósito de um detalhe ou da postura global repercute sobre esse detalhe ou
sobre o conjunto e permite que o aluno vá aos poucos se libertando dessas
inadaptações, dessas cadeias oriundas de um passado geralmente longínquo, Para
caracterizar isto, basta lembrar o fenômeno da camptocormia. Trata se da posição dobrada ao meio que a pessoa adota, de maneira súbita e involuntária, em um
momento de medo extraordinário, e que se pode fixar de tal maneira que pelo
resto da vida a indivíduo permanece curvado, dobrado ao meio após a explosão
que o traumatizou. Também as distonias que G. Alexander ajuda a desaparecer
resultam de pequenos traumatismos que se imprimiram uni dia na nossa maneira de
ser ou de nos movimentarmos. Essas tensões não escapam ao olhar do monitor
experiente, e podem se revelar também em outros níveis. Por exemplo, pode se
descobri las pelo tato, pela audição (o som dos passos de alguém, seu
jeito de frear o automóvel, etc., são ruídos muito característicos).
0 processo de (Gerda não é analítico. Sua experiência
a impede de fragmentar o corpo, cujas tensões são comparáveis a um novelo de lã
emaranhada. Não basta puxar um fio aqui e outro ali. Agindo assim, percebe se
que o novelo inteiro reage. 0 mesmo acontece com o corpo. Uma alteração em una
local provoca, em maior ou menor grau, alterações em, todos os outros. Isto é
particularmente perceptível na fala, no prazer e na respiração. Normalmente
todo o corpo respira; e as zonas que não o fazem são zonas "que precisam
ser trabalhadas", porque estão muito tensas ou muito frouxas. 0 trabalho
de tomada de consciência do corpo e a liberação progressiva das tensões conduz
a maior estabilidade da sensação de unidade pessoal.
b. Dados
técnicos
Vamos descrever aqui alguns dos exercícios utilizados
pelo eutonista; mas não esqueçamos que tais técnicas perdem muito de seu
interesse quando retiradas de seu contexto unitário, globalista e intuitivo.
%Ï A representação de um ser humano
através de desenho ou modelagem.
"Algumas pessoas fazem um tronco; outras,
um corpo em pedaços; outras, uma cabeça. Alegam que não dispunham de material
suficiente, ou que não conseguiram unir os pedaços". Mesmo pessoas que
estudaram anatomia criam desproporções espantosas entre as diferentes partes
do corpo representado. Claro que tudo isso é extremamente revelador, não só
para o observador como também e
sobretudo para o próprio indivíduo (cf. Reproduções na op. cit. de G. Alexander).
%Ï 0 inventário
Esta técnica consiste simplesmente
em tomar consciência das sensações oriundas desta ou daquela parte do corpo,
sem prevenir o indivíduo de maneira sugestiva, como se faria em sofrologia ou
em outras formas de relaxamento. Ao prestar atenção no braço direito, por
exemplo, a pessoa constata que o está sentindo pesado ou leve, ou que não
percebe seu peso; toma consciência de seu comprimento, ou de que ele lhe parece
estranha
mente menor. Percebe suas diferentes partes, ou então mistura tudo em
uma percepção indiferenciada. Sente que ele está frio, morno, quente ou fervendo.
Pode se também pedir ao cliente que sinta os contactos de seu corpo: com
o solo, com o ar, com as roupas. Propõe se também que ele tome consciência
do interior do corpo: dos ossos, dos órgãos, etc. Após o inventário de parte
por parte, retorna se à percepção da unidade do conjunto.
Durante esse inventário são comuns as descobertas
inesperadas; e inesperadas precisamente porque correspondem a atitudes
inconscientes. D. Digelmann[5]
nota que uma região não descoberta ou muito contraída geralmente determina
outras, como se houvesse um equilíbrio entre as tensões e as ausências. Por
exemplo: "Para uma testa inconsciente, uma nuca crispada". Também se
pode auxiliar o inventário tocando o aluno nos diferentes pontos sobre os
quais se quer chamar sua atenção, e utilizar alguns acessórios simples:
bastões, bolas, etc.
%Ï 0 "contacto permeável"
Esta é talvez a noção essencial do método de Gerda
Alexander. Ela diferencia o contacto do toque[6]
, explicitando que o contacto está carregado da vivência que tine aquele que
toca ao objeto ou à pessoa tocada. Tocar alguém (por exemplo, cri] Lima
multidão) não implica um verdadeiro contacto entre eu e essa pessoa. 0 mesmo
acontece quando minha pele sente o sol, a água, o ar ou o fogo: a um mesmo grau
de estimulação concreta podem corresponder diferentes níveis de contacto,
conforme eu integre menos ou mais os valores emocionais, simbólicos, etc.
0 contacto não é simples passividade; é um constituinte de troca, como as raízes com o solo[7]; elas aí penetram, mas conservam sua permeabilidade com relação a ele. 0 contacto pode existir, e naturalmente existe, independentemente de nossa vontade; entretanto, ele pode ser reforçado por uma atitude aberta "em direção ao objeto": atitude de intercâmbio recíproco, de recepção e doação, até a desaparição das fronteiras. 0 contacto é tanto mais fácil de obter quanto menos "cerebral" for o parceiro (criança, animal). Em um mesmo indivíduo, as possibilidades de contacto variam de uma região corporal para outra. Talvez um indivíduo cuja corrente de contacto envolva o olhar apresente uma gélida barreira a nível do braço e seja, por outro lado, capaz de reciprocidade na região dos pés. Da mesma forma, o contacto de uma determinada parte do corpo com outra pode ser evidente ou problemático: posso tomar contacto com meus cabelos e não com meu nariz, por exemplo. Pode se ser capaz de receber e incapaz de dar, ou vice versa.
G. Alexander e Digelmann aventam a hipótese de que a natureza das possibilidades de contacto em determinado
indivíduo decorra da relação de pele a pele entre a mãe e a criança, desde o
nascimento e mesmo antes. Sob esse
ponto de vista, prevenir a patologia do contacto implicaria incentivar as mães
a amamentarem seu bebê nu, a carregá lo nas costas enquanto trabalham,
etc.[8].
Quando o
contacto é “mau” patológico, o que é regra geral, D. Alexander propõe
técnicas, pois a simples conscientização do distúrbio não basta para a cura.
Utiliza se, é claro, o inventário dos pontos de contacto entre o
indivíduo e as coisas, o espaço, o outro. Também se recorre a manipulações que
possibilitam a ampliação da consciência do corpo, o desenvolvimento
quantitativo e qualitativo do "contacto" do corpo entre suas partes
ou com outrem, a percepção e abolição de crispações localizadas. Entre as
técnicas de manipulação podem se citar:
o contato "pulsado", no qual o
terapeuta "dá" e "recebe" alternativamente;
a modelagem do corpo;
o estiramento da pele e dos tecidos conjuntivos;
os movimentos passivos: o indivíduo é
"posto em movimento" pelo terapeuta. São movimentos muito lentos, em
extensão.
As manipulações permitem a descoberta de zonas
contraídas de resistência; estas acarretam alterações respiratórias, prova de
antigos traumatismos que podem ressurgir à lembrança sob uma forma muito
impressionante, próxima da alucinose.
%Ï As posturas (controle)
Assemelham se formalmente às da Ioga, porém com
objetivo diferente. Não são utilizadas pelo seu efeito específico, mas a título
de "controle", para detectar as contraturas que passaram
desapercebidas durante o inventário ou os exercícios de contato.
%Ï Movimentos alternados
Trata se de verificar a capacidade de
relaxamento através de uma alternância de contrações e descontrações. A
analogia com o método de relaxamento de Jacobson é superficial. Aqui,
controle; no de Jacobson, técnica visando a obter
o relaxamento
... De fato, como já assinalamos, o que a eutonia procura não é o
desaparecimento total de todas as tensões, mas o aniquilamento de qualquer
tensão inútil para o gesto efetuado. Trata se de ter "todas as
partes do corpo em um grau ótimo de tensão muscular" para o que a pessoa
quer fazer. Isso exige uma grande coerência entre todas as partes do corpo. A
inadaptação de uma parte com as outras acarreta, em cadeia, toda uma série de
desequilíbrios que o indivíduo precisa corrigir, e toda uma série de rupturas
de ritmo que ele precisa recuperar. Portanto, não há eutonia sem unidade
corporal, sem unidade da pessoa, simplesmente. A eutonia é bem uma
"ioga", na medida em que ioga significa "unificar se".
Assim, a eutonia não pode ocorrer sem um bom equilíbrio dinâmico do sistema
nervoso em todos os níveis, em particular ao nível das regulações
neurovegetativas: boa digestão, bom funcionamento glandular, etc.
A tensão pode estar adequada no nível estático e se
deteriorar durante o movimento. Por esta razão, o movimento desempenha
importante papel no método de Gerda. Trata se não tanto de ensinar ao
indivíduo como executar tal movimento, mas principalmente possibilitar lhe
que ele se sinta executando o. A experiência mostra, e os trabalhos
ideográficos (cf. nota 3) confirmam, que esta consciência "de si próprio
agindo" aumenta visivelmente a qualidade do que é praticado. A capacidade
para executar movimentos livres e suaves aumenta[9].
Assim, o indivíduo com lombalgia, que utiliza com força e freqüência excessivas
a musculatura lombar[10],
aprenderá a distribuir de outro modo seus esforços ao longo de toda a coluna
vertebral. Simultaneamente, sentirá menor necessidade de estar constantemente
se valorizando aos olhos dos outros[11].
Os gestos trazem consigo movimentos; alguns desses
movimentos são necessários (mantêm o equilíbrio), outros são úteis (preparam o
próximo gesto, exprimem uma emoção, aumentam a eficiência); alguns outros,
porém, são excessivos (sincinesias)
ou nocivos (vestígios de emoções antigas ou de intenções oriundas do
inconsciente). D. Digelmann observa que a aquisição de um movimento adequado à
ação implica em:
1. integração suficiente da imagem do corpo, com
orientação espaçotemporal no mundo;
2. acesso ao desejo;
3. aceitação do ritmo de ação próprio às realidades
culturais, climáticas e geográficas do indivíduo.
As técnicas utilizadas são:
• o estiramento espontâneo;
• os movimentos em extensão,
• os movimentos em extensão contra resistência,
Aprende se também a situar o movimento em seu contexto e a
dialogar com:
• a lei de gravidade;
• o grupo, os outros;
• a música[12].
c. Dados práticos
0 trabalho, que pode ser iniciado em nível individual,
deve tornar se logo um trabalho coletivo. 0 aplicador reúne um grupo
menos ou mais numeroso, dependendo de suas próprias capacidades de integração e
de diversas considerações práticas (dimensões da sala de que se dispõe, por
exemplo). Uma ou duas sessões por semana parece ser o melhor ritmo. Mas,
geralmente, as dificuldades para se manter tal assiduidade farão com que as
sessões sejam espaçadas; inconveniente mínimo, se nesse meio tempo o
indivíduo tiver o cuidado de trabalhar sozinho, baseado naquilo que vivenciou
na sessão anterior.
A sessão segue um programa indefinido. Ou seja: o
eutonista[13] pode prever
um tema; mas durante a sessão ele deve responder com flexibilidade às necessidades momentâneas do grupo.
Da mesma forma, o tempo dedicado a um exercício varia consideravelmente de um
grupo para outro, de um aluno para outro e mesmo entre um dia e outro para o
mesmo aluno; isto no mais puro espírito da Ioga[14].
d. Indicações
Esta técnica pode ser empregada sozinha, quando a
palavra ainda não existe, não existe mais, ou não pode ser utilizada para a
terapia: especialmente com indivíduos hiper intelectuais, com doentes
"psicossomáticos"[15],
"psicóticos" e "débeis disarmônicos. Também é eficaz em alguns
estados depressivos e nas deficiências sexuais. Como todas as técnicas
descritas nesta obra, ela pode preceder ou acompanhar uma terapia profunda, e
às vezes substituí~la. Nesse caso, o material psicológico que surgir durante os
exercícios pode ser analisado se o eutonista tiver experiência psicoterapêutica
adequada, ou então "derivado e canalizado para uma atividade criativa com
objetivo catártico (modelagem, pintura, etc.)". À medida que o indivíduo
modifica sua vivência tônica, modifica também seus esquemas psicológicos de apreensão (W. Reich, A. Burloud, Durand
de Bousingen, Wallon), Geralmente ocorre uma alteração total dos valores,
graças à profundidade desse trabalho ...
2. A
"REGULAÇÃO ATIVA DO TÔNUS MUSCULAR"
(STOKVIS)
E um método pouco praticado (na França).
Stokvis observa que às vezes é necessário favorecer o relaxamento utilizando
exercícios de descarga muscular ou emocional (como em vegetoterapia ou em bio energia).
Em seguida, com o auxílio de diversos exercícios, incentiva se o paciente
a procurar metodicamente o tônus que
melhor se adapte a um determinado gesto ou postura. Como em eutonia, trata se
de encontrar o equilíbrio exato entre frouxidão e rigidez. A concentração em um
determinado órgão resulta em uma ampliação que visa a distribuir pelo organismo
todo os estados afetivos relacionados com um local específico do corpo; tenta se
"desamarrar" os estados afetivos próprios de um sistema funcional
perturbado. Esse autor observa que a vivência de um estado afetivo e sua
expressão não são duas realidades distintas em que uma seja causa da outra, mas
sim dois aspectos inseparáveis de uma mesma realidade. Os exercícios nunca
ultrapassam quinze minutos, para que
a atenção seja sempre a maior possível. São realizados todos os dias, à mesma
hora (pois está comprovado que estabelecer uma certa regularidade em qualquer
campo psicofisiológico aumenta consideravelmente a eficácia de um método).
[1] Tive a felicidade de encontrar G.
Alexander em Toulouse, em janeiro de 1972, a propósito de minha tese sobre a
iogaterapia. Realmente, a eutonia tem pontos de convergência profunda com a
ioga, sem depender de sua tradição.
[2] Cf. também alguns exercícios de Vittoz,
de Feldenkraïs, de Mézière.
[3] M. BLANC, L’idéographie cérébrale in La Recherche, 71, oct. 1976, pp. 878-882.
[4] D. DIGELMANN, L’Eutonie de G. Alexander, C.E.M.E.A., Scarabée, 1971. Será interessante ler também G. BRIEGHEL - MÜI.LER, eutonie et Relaxation, Delachaux et Niestlé, Neuchatel, 1972; D. DIGELMANN e T. KAMMERER, "Rééducatíon psychotonique. L`Eutonie de Gerda Alexander", in E.M.C. Psy, 37820, 8, 30, 3, 1970; M.C. GUINAND e F. WULLIEMIER, "eutonie et Conscience Corporelle", in Psychologie Med., 1977, 9, 8, pp. 1493 1502; cf. também (embora sem a atração da teoria): G. ALEXANDER, Le corps retrouvé par l’eutonie, Tchou, 1977.
[5] D. DIGELMANN, op. cit., p. 37. Pode se comparar esta observação com as néo réichianas, bio energéticas e, "mutatis mutandis”, com a neuralterapia.
[6] Como se deve distinguir a audição da escuta (A. Tomatis) ou a visão do olhar (Visiologistas).
[7] D. DIGELMANN, op. cit., p. 38.
[8] Cf. F. LEBOYER, Shantala, Seuil, 1976, e também M. DAVID e G. APPELL, Le maternage insolite, Scarabée, C.E.M.E.A., 1973.
[9] Podem se fazer algumas comparações com o Taï Chi Chuan. Trata se de obter um tônus harmonioso em todas as partes do corpo em ação ou em repouso. Uma noção muito original é a da necessidade de se obter a "flexibilidade" do tônus, de tal forma que o indivíduo seja capaz de graduar seu tônus em função das circunstâncias( do mais hipotônico ao mais hipertônico); cf. G. ALEXANDER, op. cit., pp. 26-27.
[10] L. PLUM citada por D.
DIGELMANN, op. cit., p. 76.
[11] Esta concepção se torna muito mais clara em uma visão macrometamérica do organismo psicobiológico. Cf obra em projeto sobre os Chakras ( B. AURIOL, a publicar).
[12] Cf. capítulo da presente obra, sobre os sons.
[13] Eles são raros. A formação exige um período de aproximadamente três anos na escola de G. Alexander (ALEXANDER, op. cit., p. 45).
[14] Cf. B. AURIOL, Yoga et Psychothérapie, op. cit.
[15] Especialmente nos casos de tuberculose pulmonar, segundo os trabalhos de P. LOWYS, “Cure de repos et de relaxation chez le tuberculeux pulmonaire”, in Revue Tuberc., 27, 1963, 1, pp. 67 e s.