A EUTONIA E A RECULAÇÃO ATIVA DO TÔNUS MUSCULAR

CAPITULO VII

Dr Bernard Auriol

 



 

1. EUTONIA[1]

a. Dados essenciais do método

 

Gerda Alexander, de preferência a procurar uma redução do tônus muscular durante um breve momento, pretende nos ensinar a descobrir, em cada um de nossos movimentos e atos, o "exato grau de tensão" necessário. Portanto, já não se trata de isolar de qualquer contexto o corpo, de produzir uma "privação sensorial", e Sim[2] de alimentar o indivíduo com suas próprias sensações, como se os movimentos eqüivalessem às sensações de onde eles provêm ou que provocam. Uma descoberta recente da sofisticada técnica de "ideografia cerebral"[3] parece dar uma base fisiológica para tal hipótese: ficou demonstrado que durante o movimento de um membro a zona cerebral mais ativa metabolicamente não é a zona de comando desse movimento, e sim a zona receptora das sensações a ele correspondentes.

Para ensinar ou corrigir uma atitude ou um movimento, G. Ale­xander não se serve de uma atitude ou de um movimento: “ela deixa o indivíduo com sua postura habitual e tenta fazê lo tomar consciência dela, para que ele mesmo perceba pouco a pouco o que está acontecendo em seu corpo[4]”, principalmente todo o passado que aí está impresso de diferentes maneiras: em tal posição, em tal contração, em tal relaxamento. 0 indivíduo percebe então que utiliza seu corpo (que utiliza a si mesmo) de uma ma­neira às vezes desconfortável, nociva a seu bem estar, pouco agradável, ou então de maneira fatigante, difícil. A constatação feita a propósito de um detalhe ou da postura global repercute sobre esse detalhe ou sobre o conjunto e permite que o aluno vá aos poucos se libertando dessas inadaptações, dessas cadeias oriundas de um passado geralmente longínquo, Para carac­terizar isto, basta lembrar o fenômeno da camptocormia. Trata se da po­sição dobrada ao meio que a pessoa adota, de maneira súbita e involuntária, em um momento de medo extraordinário, e que se pode fixar de tal maneira que pelo resto da vida a indivíduo permanece curvado, dobrado ao meio após a explosão que o traumatizou. Também as distonias que G. Alexander ajuda a desaparecer resultam de pequenos traumatismos que se imprimiram uni dia na nossa maneira de ser ou de nos movimentarmos. Essas tensões não escapam ao olhar do monitor experiente, e podem se revelar também em outros níveis. Por exemplo, pode se descobri las pelo tato, pela audição (o som dos passos de alguém, seu jeito de frear o auto­móvel, etc., são ruídos muito característicos).

0 processo de (Gerda não é analítico. Sua experiência a impede de fragmentar o corpo, cujas tensões são comparáveis a um novelo de lã emaranhada. Não basta puxar um fio aqui e outro ali. Agindo assim, per­cebe se que o novelo inteiro reage. 0 mesmo acontece com o corpo. Uma alteração em una local provoca, em maior ou menor grau, alterações em, todos os outros. Isto é particularmente perceptível na fala, no prazer e na respiração. Normalmente todo o corpo respira; e as zonas que não o fazem são zonas "que precisam ser trabalhadas", porque estão muito tensas ou muito frouxas. 0 trabalho de tomada de consciência do corpo e a libe­ração progressiva das tensões conduz a maior estabilidade da sensação de unidade pessoal.

 

b. Dados técnicos

 

Vamos descrever aqui alguns dos exercícios utilizados pelo eutonista; mas não esqueçamos que tais técnicas perdem muito de seu interesse quando retiradas de seu contexto unitário, globalista e intuitivo.

 

%Ï A representação de um ser humano através de desenho ou modelagem.

 

"Algumas pessoas fazem um tronco; outras, um corpo em pedaços; outras, uma cabeça. Alegam que não dispunham de material suficiente, ou que não conseguiram unir os pedaços". Mesmo pessoas que estudaram ana­tomia criam desproporções espantosas entre as diferentes partes do corpo representado. Claro que tudo isso é extremamente revelador, não só para o observador como também e sobretudo para o próprio indivíduo (cf. Repro­duções na op. cit. de G. Alexander).

 

%Ï 0 inventário

 

Esta técnica consiste simplesmente em tomar consciência das sensações oriundas desta ou daquela parte do corpo, sem prevenir o indivíduo de maneira sugestiva, como se faria em sofrologia ou em outras formas de relaxamento. Ao prestar atenção no braço direito, por exemplo, a pessoa constata que o está sentindo pesado ou leve, ou que não percebe seu peso; toma consciência de seu comprimento, ou de que ele lhe parece estranha

mente menor. Percebe suas diferentes partes, ou então mistura tudo em uma percepção indiferenciada. Sente que ele está frio, morno, quente ou fer­vendo. Pode se também pedir ao cliente que sinta os contactos de seu corpo: com o solo, com o ar, com as roupas. Propõe se também que ele tome cons­ciência do interior do corpo: dos ossos, dos órgãos, etc. Após o inventário de parte por parte, retorna se à percepção da unidade do conjunto.

Durante esse inventário são comuns as descobertas inesperadas; e ines­peradas precisamente porque correspondem a atitudes inconscientes. D. Digelmann[5] nota que uma região não descoberta ou muito contraída geral­mente determina outras, como se houvesse um equilíbrio entre as tensões e as ausências. Por exemplo: "Para uma testa inconsciente, uma nuca cris­pada". Também se pode auxiliar o inventário tocando o aluno nos dife­rentes pontos sobre os quais se quer chamar sua atenção, e utilizar alguns acessórios simples: bastões, bolas, etc.

 

%Ï 0 "contacto permeável"

 

Esta é talvez a noção essencial do método de Gerda Alexander. Ela diferencia o contacto do toque[6] , explicitando que o contacto está carregado da vivência que tine aquele que toca ao objeto ou à pessoa tocada. Tocar alguém (por exemplo, cri] Lima multidão) não implica um verdadeiro contacto entre eu e essa pessoa. 0 mesmo acontece quando minha pele sente o sol, a água, o ar ou o fogo: a um mesmo grau de estimulação con­creta podem corresponder diferentes níveis de contacto, conforme eu integre menos ou mais os valores emocionais, simbólicos, etc.

0 contacto não é simples passividade; é um constituinte de troca, como as raízes com o solo[7]; elas aí penetram, mas conservam sua permea­bilidade com relação a ele. 0 contacto pode existir, e naturalmente existe, independentemente de nossa vontade; entretanto, ele pode ser reforçado por uma atitude aberta "em direção ao objeto": atitude de intercâmbio recí­proco, de recepção e doação, até a desaparição das fronteiras. 0 contacto é tanto mais fácil de obter quanto menos "cerebral" for o parceiro (criança, animal). Em um mesmo indivíduo, as possibilidades de contacto variam de uma região corporal para outra. Talvez um indivíduo cuja corrente de contacto envolva o olhar apresente uma gélida barreira a nível do braço e seja, por outro lado, capaz de reciprocidade na região dos pés. Da mesma forma, o contacto de uma determinada parte do corpo com outra pode ser evidente ou problemático: posso tomar contacto com meus cabelos e não com meu nariz, por exemplo. Pode se ser capaz de receber e incapaz de dar, ou vice versa.

G. Alexander e Digelmann aventam a hipótese de que a natureza das possibilidades de contacto em determinado indivíduo decorra da relação de pele a pele entre a mãe e a criança, desde o nascimento e mesmo antes. Sob esse ponto de vista, prevenir a patologia do contacto implicaria incentivar as mães a amamentarem seu bebê nu, a carregá lo nas costas enquanto trabalham, etc.[8].

 Quando o contacto é “mau” patológico, o que é regra geral, D. Ale­xander propõe técnicas, pois a simples conscientização do distúrbio não basta para a cura. Utiliza se, é claro, o inventário dos pontos de contacto entre o indivíduo e as coisas, o espaço, o outro. Também se recorre a mani­pulações que possibilitam a ampliação da consciência do corpo, o desen­volvimento quantitativo e qualitativo do "contacto" do corpo entre suas partes ou com outrem, a percepção e abolição de crispações localizadas. Entre as técnicas de manipulação podem se citar:

 o contato "pulsado", no qual o terapeuta "dá" e "recebe" alter­nativamente;

 a modelagem do corpo;

 o estiramento da pele e dos tecidos conjuntivos;

 os movimentos passivos: o indivíduo é "posto em movimento" pelo terapeuta. São movimentos muito lentos, em extensão.

 

As manipulações permitem a descoberta de zonas contraídas de resis­tência; estas acarretam alterações respiratórias, prova de antigos trauma­tismos que podem ressurgir à lembrança sob uma forma muito impressio­nante, próxima da alucinose.

 

%Ï As posturas (controle)

 

Assemelham se formalmente às da Ioga, porém com objetivo diferente. Não são utilizadas pelo seu efeito específico, mas a título de "controle", para detectar as contraturas que passaram desapercebidas durante o inven­tário ou os exercícios de contato.

 

%Ï Movimentos alternados

 

Trata se de verificar a capacidade de relaxamento através de uma alter­nância de contrações e descontrações. A analogia com o método de relaxa­mento de Jacobson é superficial. Aqui, controle; no de Jacobson, técnica visando a obter o relaxamento ... De fato, como já assinalamos, o que a eutonia procura não é o desaparecimento total de todas as tensões, mas o aniquilamento de qualquer tensão inútil para o gesto efetuado. Trata se de ter "todas as partes do corpo em um grau ótimo de tensão muscular" para o que a pessoa quer fazer. Isso exige uma grande coerência entre todas as partes do corpo. A inadaptação de uma parte com as outras acarreta, em cadeia, toda uma série de desequilíbrios que o indivíduo precisa cor­rigir, e toda uma série de rupturas de ritmo que ele precisa recuperar. Portanto, não há eutonia sem unidade corporal, sem unidade da pessoa, simplesmente. A eutonia é bem uma "ioga", na medida em que ioga sig­nifica "unificar se". Assim, a eutonia não pode ocorrer sem um bom equi­líbrio dinâmico do sistema nervoso em todos os níveis, em particular ao nível das regulações neurovegetativas: boa digestão, bom funcionamento glandular, etc.

A tensão pode estar adequada no nível estático e se deteriorar durante o movimento. Por esta razão, o movimento desempenha importante papel no método de Gerda. Trata se não tanto de ensinar ao indivíduo como executar tal movimento, mas principalmente possibilitar lhe que ele se sinta executando o. A experiência mostra, e os trabalhos ideográficos (cf. nota 3) confirmam, que esta consciência "de si próprio agindo" aumenta visivel­mente a qualidade do que é praticado. A capacidade para executar movi­mentos livres e suaves aumenta[9]. Assim, o indivíduo com lombalgia, que utiliza com força e freqüência excessivas a musculatura lombar[10], apren­derá a distribuir de outro modo seus esforços ao longo de toda a coluna vertebral. Simultaneamente, sentirá menor necessidade de estar constan­temente se valorizando aos olhos dos outros[11].

Os gestos trazem consigo movimentos; alguns desses movimentos são necessários (mantêm o equilíbrio), outros são úteis (preparam o próximo gesto, exprimem uma emoção, aumentam a eficiência); alguns outros, porém, são excessivos (sincinesias) ou nocivos (vestígios de emoções antigas ou de intenções oriundas do inconsciente). D. Digelmann observa que a aqui­sição de um movimento adequado à ação implica em:

 

1. integração suficiente da imagem do corpo, com orientação espaço­temporal no mundo;

2. acesso ao desejo;

3. aceitação do ritmo de ação próprio às realidades culturais, climá­ticas e geográficas do indivíduo.

 

As técnicas utilizadas são:

 

• o estiramento espontâneo;

• os movimentos em extensão,

• os movimentos em extensão contra resistência,

 

Aprende se também a situar o movimento em seu contexto e a dialogar com:

 

• a lei de gravidade;

• o grupo, os outros;

• a música[12].

 

c. Dados práticos

 

0 trabalho, que pode ser iniciado em nível individual, deve tornar se logo um trabalho coletivo. 0 aplicador reúne um grupo menos ou mais numeroso, dependendo de suas próprias capacidades de integração e de diversas considerações práticas (dimensões da sala de que se dispõe, por exemplo). Uma ou duas sessões por semana parece ser o melhor ritmo. Mas, geralmente, as dificuldades para se manter tal assiduidade farão com que as sessões sejam espaçadas; inconveniente mínimo, se nesse meio tempo o indivíduo tiver o cuidado de trabalhar sozinho, baseado naquilo que vi­venciou na sessão anterior.

A sessão segue um programa indefinido. Ou seja: o eutonista[13] pode prever um tema; mas durante a sessão ele deve responder com flexibilidade às necessidades momentâneas do grupo. Da mesma forma, o tempo dedi­cado a um exercício varia consideravelmente de um grupo para outro, de um aluno para outro e mesmo entre um dia e outro para o mesmo aluno; isto no mais puro espírito da Ioga[14].

 

d. Indicações

 

Esta técnica pode ser empregada sozinha, quando a palavra ainda não existe, não existe mais, ou não pode ser utilizada para a terapia: especial­mente com indivíduos hiper intelectuais, com doentes "psicossomáticos"[15], "psicóticos" e "débeis disarmônicos. Também é eficaz em alguns estados depressivos e nas deficiências sexuais. Como todas as técnicas descritas nesta obra, ela pode preceder ou acompanhar uma terapia profunda, e às vezes substituí~la. Nesse caso, o material psicológico que surgir durante os exercícios pode ser analisado se o eutonista tiver experiência psicoterapêu­tica adequada, ou então "derivado e canalizado para uma atividade criativa com objetivo catártico (modelagem, pintura, etc.)". À medida que o indi­víduo modifica sua vivência tônica, modifica também seus esquemas psico­lógicos de apreensão (W. Reich, A. Burloud, Durand de Bousingen, Wallon), Geralmente ocorre uma alteração total dos valores, graças à profundidade desse trabalho ...

 

2. A "REGULAÇÃO ATIVA DO TÔNUS MUSCULAR"

(STOKVIS)

 

E um método pouco praticado (na França). Stokvis observa que às vezes é necessário favorecer o relaxamento utilizando exercícios de descarga muscular ou emocional (como em vegetoterapia ou em bio energia). Em seguida, com o auxílio de diversos exercícios, incentiva se o paciente a procurar metodicamente o tônus que melhor se adapte a um determinado gesto ou postura. Como em eutonia, trata se de encontrar o equilíbrio exato entre frouxidão e rigidez. A concentração em um determinado órgão resulta em uma ampliação que visa a distribuir pelo organismo todo os estados afetivos relacionados com um local específico do corpo; tenta se "desamarrar" os estados afetivos próprios de um sistema funcional pertur­bado. Esse autor observa que a vivência de um estado afetivo e sua expressão não são duas realidades distintas em que uma seja causa da outra, mas sim dois aspectos inseparáveis de uma mesma realidade. Os exercícios nunca ultrapassam quinze minutos, para que a atenção seja sempre a maior pos­sível. São realizados todos os dias, à mesma hora (pois está comprovado que estabelecer uma certa regularidade em qualquer campo psicofisiológico aumenta consideravelmente a eficácia de um método).

 

 

 

 

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Psychosonique Yogathérapie Psychanalyse & Psychothérapie Dynamique des groupes Eléments Personnels

© Copyright Bernard AURIOL (email : )

25 Novembre 2002



[1] Tive a felicidade de encontrar G. Alexander em Toulouse, em janeiro de 1972, a propósito de minha tese sobre a iogaterapia. Realmente, a eutonia tem pontos de convergência profunda com a ioga, sem depender de sua tradição.

[2] Cf. também alguns exercícios de Vittoz, de Feldenkraïs, de Mézière.

[3]   M. BLANC, L’idéographie cérébrale in La Recherche, 71, oct. 1976, pp. 878-882.

[4] D. DIGELMANN, L’Eutonie de G. Alexander, C.E.M.E.A., Scarabée, 1971. Será interessante ler também G. BRIEGHEL - MÜI.LER, eutonie et Relaxation, De­lachaux et Niestlé, Neuchatel, 1972; D. DIGELMANN e T. KAMMERER, "Réé­ducatíon psychotonique. L`Eutonie de Gerda Alexander", in E.M.C. Psy, 37820, 8, 30, 3, 1970; M.C. GUINAND e F. WULLIEMIER, "eutonie et Conscience Corporelle", in Psychologie Med., 1977, 9, 8, pp. 1493 1502; cf. também (embora sem a atração da teoria): G. ALEXANDER, Le corps retrouvé par l’eutonie, Tchou, 1977.

[5] D. DIGELMANN, op. cit., p. 37. Pode se comparar esta observação com as néo réichianas, bio energéticas e, "mutatis mutandis”, com a neuralterapia.

[6] Como se deve distinguir a audição da escuta (A. Tomatis) ou a visão do olhar (Visiologistas).

[7] D. DIGELMANN, op. cit., p. 38.

[8] Cf. F. LEBOYER, Shantala, Seuil, 1976, e também M. DAVID e G. APPELL, Le maternage insolite, Scarabée, C.E.M.E.A., 1973.

[9] Podem se fazer algumas comparações com o Taï Chi Chuan. Trata se de obter um tônus harmonioso em todas as partes do corpo em ação ou em repouso. Uma noção muito original é a da necessidade de se obter a "flexibilidade" do tônus, de tal forma que o indivíduo seja capaz de graduar seu tônus em função das circunstâncias( do mais hipotônico ao mais hipertônico); cf. G. ALEXAN­DER, op. cit., pp. 26-27.

[10] L. PLUM citada por D. DIGELMANN, op. cit., p. 76.

[11] Esta concepção se torna muito mais clara em uma visão macrometamérica do organismo psicobiológico. Cf obra em projeto sobre os Chakras ( B. AURIOL, a publicar).

[12] Cf. capítulo da presente obra, sobre os sons.

[13] Eles são raros. A formação exige um período de aproximadamente três anos na escola de G. Alexander (ALEXANDER, op. cit., p. 45).

[14] Cf. B. AURIOL, Yoga et Psychothérapie, op. cit.

[15] Especialmente nos casos de tuberculose pulmonar, segundo os trabalhos de P. LOWYS, “Cure de repos et de relaxation chez le tuberculeux pulmonaire”, in Revue Tuberc., 27, 1963, 1, pp. 67 e s.